DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: FARMAS QUE FAZEM A DIFERENÇA
Hoje, 20 de novembro, é celebrado o Dia da Consciência Negra, instituído oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data faz referência à morte de Zumbi, que foi líder do Quilombo dos Palmares. Zumbi foi eleito como um símbolo da luta e resistência dos negros escravizados no Brasil, pelos membros do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racia.
Na área farmacêutica temos diversos exemplos de profissionais negros que se destacam pelo seu compromisso, determinação e competência. Na nossa Bahia, que tem a cidade mais negra fora da África, Salvador, temos inúmeros exemplos de estudantes e profissionais farmacêuticos negros que merecem nosso respeito e reconhecimento não apenas no dia 20 de novembro, mas sempre.
Como uma forma de homenagem e incentivo, o CRF-BA trouxe duas farmacêuticas negras que se destacam por sua determinação e competência para compartilhar um pouco de suas histórias.
A atenção e o cuidado com a pele negra
Um desses exemplos é a Dra. Andréa Dias Santana, de 42 anos, que já enfrentou (e superou) diversas dificuldades na área farmacêutica por ser negra, mas nada a impediu de conquistar seu sucesso profissional.
Sua jornada na área começou aos 16 anos, quando passou no vestibular de Farmácia em 96. Ela se graduou, fez especialização em bioquímica e pós-graduação em farmácia clínica com ênfase em atenção farmacêutica, além de uma pós-graduação em estética avançada.
O início da sua carreira começou nas farmácias comerciais, tendo trabalhado na Farmácia Santana e na Pague Menos. Levou um bom tempo nessa área, mas sempre foi apaixonada pela área estética, seu lugar favorito nas farmácias era onde ficavam os dermocosméticos.
Ela conta que já enfrentou dificuldades e discriminação por ser negra.
Diversas vezes, no balcão da farmácia, mesmo vestindo o jaleco identificado com “Farmacêutica”, as pessoas pediam para ver o farmacêutico. Já tiveram vezes de não acreditarem quando eu fui atender. Já fui desacreditada por ser uma mulher negra, de cabelo crespo, e ser a farmacêutica do estabelecimento.
Quando surgiu a possibilidade do farmacêutico se especializar e atuar na estética, Dra. Andréa fez a pós-graduação. Hoje, ela atua em seu próprio centro de Estética Avançada e Ozonioterapia (@andreafarmaestetica). É responsável técnica de uma distribuidora de material hospitalar e também é membro do Grupo Técnico de Trabalho de Práticas Integrativas e Complementares do CRF-BA. Além disso, faz parte da Associação Brasileira de Profissionais Afros de Saúde Estética.
Dra. Andréa faz um trabalho específico para a população negra. Desde que começou a estudar e atuar na área de estética, decidiu se aprofundar na questão da pele negra, e por isso tem muitos pacientes negros. “É uma pele sensível, porque pigmenta com facilidade. Não é qualquer procedimento nem produto que se pode usar. Tem que ter toda uma atenção voltada para esse público.”
Como mensagem final, ela destaca que:
A luta contra o racismo é diária; e nós, negros, precisamos além de nos posicionar, nos apoiar. Eu sou uma negra que consome o que o negro produz, o que o negro vende, o que o negro faz. É preciso começar a reparação dessa desigualdade a partir dessa rede de apoio mútuo, de pertencimento.
A assistência farmacêutica e o empreendedorismo afro
Outra farmacêutica negra que trazemos a história é a Dra. Débora Almeida de Jesus Barros, de 29 anos. Ela atua em farmácia comunitária, como gerente farmacêutica de uma drogaria de rede privada.
A princípio, a Dra. Débora gostaria de cursar engenharia química, porque gostava da matéria, mas ao analisar a grade curricular do curso de Farmácia, optou por este curso. Na época, ela cursava engenharia de alimentos na UEFS, e passou em 3º lugar para Farmácia na UNEB.
Ela achou o curso generalista, focado para a área de saúde e pontua que é um curso bem humano. Foi essa atenção com a saúde humana que mudou seu desejo de trabalhar com pesquisas e desenvolvimento. Isso a fez abrir os olhos para outra área e confirmar que o farmacêutico é um profissional de saúde, de primeiro acesso que a população tem contato, para oferecer orientação e prestar assistência.
Logo no 1º semestre, Dra. Débora começou uma monitoria voluntária, em um projeto que cuidava de pacientes com enxaqueca, e desde então passou a se envolver em outros projetos, monitorias, iniciação científica, todos mais ligados com a assistência farmacêutica.
Após se formar em 2017, ela fez uma pós-graduação em Farmacologia Clínica e Prescrição Farmacêutica. Começou a atuar como farmacêutica folguista, depois assumiu responsabilidade técnica, tempo depois foi promovida como gerente farmacêutica de uma rede de drogarias privada, uma empresa que admira por ter princípios e um olhar de cuidado para com as pessoas.
Ao longo de sua jornada profissional, infelizmente, Dra. Débora, assim como diversas pessoas negras, passou por dificuldades.
Já passei por situações constrangedoras diversas vezes. Como estar no balcão, com uniforme diferenciado, toda de branco, com o nome “Farmacêutica” no jaleco, bem visível e chamativo, disponível (sem atender ninguém), e ter ao meu lado um colega balconista de pele clara, muitas vezes ocupado, e o cliente aguardar o atendimento dele e pedir para falar com o farmacêutico. Por que será? Se não for um preconceito, o que será então que faz com que esses clientes não associem que eu ali, vestida de jaleco, com o nome Farmacêutica, não seja a primeira pessoa que eles procuram?
“Mas isso não me afeta. Há algum tempo, eu entendi algo que promoveu uma mudança de mentalidade na minha vida: Eu entendi que tudo que Deus faz é belo, é perfeito. Eu dizer que a cor da minha pele é feia ou não aceitar o meu cabelo é como dizer que Deus errou; Para mim, isso é quase uma blasfêmia. Isso foi transformador na minha vida. Eu passei a entender que eu preciso ocupar o meu espaço.”
Se eu não mostrar meu trabalho, se não fizer nada e não me empoderar, ninguém vai fazer por mim. Então eu tento lidar com isso de forma tranquila no meu dia a dia.
“Eu fico muito grata quando recebo feedbacks de colegas da empresa e me dizem que se sentem representadas, me agradecem. Sempre tento empoderar minhas colegas, como as que estão passando por processo de transição capilar. Eu uso o turbante no meu dia a dia de balcão, uso black, uso tranças, e recebo agradecimentos por fazer essa representatividade, por ser um exemplo para outras mulheres negras na empresa.”
Assim como a Dra. Andréa, a Dra. Débora também atua no dia a dia para o público negro. Ela e seu marido têm uma marca de moda afro, a D3 Power Black, em que trabalham com peças em tecido africano ou em algodão com estampas étnicas que evidenciam a cultura afro-brasileira.
Dra. Débora e seu marido, Carlos Davi Barros da Silva. Desfile do Sebrae com produções da marca D3 Power Black (@d3powerblack).
“Nosso propósito com a D3 Power Black é justamente despertar o poder que existe em cada pessoa. Trabalhamos muito com a autoestima dos homens e das mulheres.”
Hoje em dia, constantemente lidamos com várias pessoas que não conseguem enxergar a beleza em si, em seus corpos, seus cabelos, assim como eu não conseguia ver. Nosso propósito é quebrar isso através das nossas peças.
Além do empreendedorismo e do trabalho como farmacêutica, a Dra. Débora, junto com seu esposo, também desenvolve projetos sociais em escolas, faz desfiles, oficinas de turbantes, rodas de conversas e debates sobre a pauta da beleza negra, também com o intuito de incentivar e mostrar aos jovens negros que eles podem estar onde eles quiserem, que são capazes de alcançar seus objetivos.
Bate papo com crianças de escola privada sobre cultura africana. Entrevista pra o Programa Hip-hop Vai Além sobre o Projeto de apoio e amparo às crianças órfãs em Moçambique. Crianças moçambicanas do projeto da Jocum, que Dra. Débora e seu marido são padrinhos em Moçambique.