DO QUILOMBO À UNIVERSIDADE: A VOZ DOS SABERES TRADICIONAIS EM SAÚDE NA FARMÁCIA
No mês em que é celebrado o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o CRF-BA compartilha a trajetória inspiradora da Dra. Elaine de Lima de Jesus, farmacêutica baiana, benzedeira e doutoranda em Biologia Vegetal pela UERJ. Aos 30 anos, ela transforma saberes ancestrais em ciência, promovendo saúde com respeito à espiritualidade e à cultura quilombola.
Filha de lavradores da zona rural do município de Irará, Dra. Elaine cresceu em meio ao conhecimento tradicional de sua comunidade quilombola. A sugestão da mãe para cursar Farmácia foi o ponto de partida para uma jornada de descobertas. “Me apaixonei pela abrangência da Farmácia e percebi que estava no lugar certo. Pude trabalhar com o conhecimento que formou meu caráter”, conta.
Ingressar na universidade foi um choque. A forma de ensinar, avaliar e se relacionar era distante da vivência comunitária. “Sofri racismo, fui inferiorizada por ser negra, mulher, quilombola e da zona rural. Duvidavam da minha capacidade”, relembra. O apoio de amigos com histórias semelhantes e da família foi essencial para resistir e seguir em frente.
Na monografia, Dra. Elaine saiu do óbvio e decidiu abordar o benzimento e a saberes tradicionais em saúde. “Sou benzedeira, como minha mãe, minha avó e meus parentes. Foi difícil encontrar um orientador na Farmácia, mas encontrei acolhimento na Biologia, com o professor Eraldo Costa Neto.” A escrita foi desafiadora, por envolver saúde espiritual e física dentro da linguagem acadêmica. “A defesa foi linda e respeitosa. Estar cercada por quem valoriza diferentes formas de conhecimento fez toda a diferença.”
Para ela, reconhecer práticas como o benzimento é essencial. “Saúde envolve qualidade de vida, convivência, espiritualidade. O profissional precisa escutar e respeitar a rotina do paciente. Isso fortalece a confiança e a adesão ao tratamento.”
Dra. Elaine trabalha com comunidades quilombolas em Irará e Santo Amaro. “O benzimento usa plantas nativas e objetos domésticos. Cada espécie tem sua indicação, horário de colheita e forma de aplicação. A cura começa no espiritual e reflete no físico.”
Ela acredita que há espaço para integrar saberes ancestrais na Farmácia, mas é preciso romper com o colonialismo acadêmico. “O conhecimento popular só é validado quando passa por metodologia científica acadêmica.”
Sua atuação junto aos quilombos é marcada por trocas e registros. “É gratificante ver que nossos ancestrais vivem através do conhecimento. Eles se sentem valorizados ao saber que estamos interessados em preservar e compartilhar.”
Dra. Elaine ainda deixa uma mensagem para os farmacêuticos e demais profissionais negros da saúde:
“No Dia da Consciência Negra, digo: não desista. Você representa quem veio antes e quem ainda virá. Respeite sua ancestralidade, esteja com os seus, acolha e seja acolhido. Isso faz toda a diferença. Não tenha medo.”






